Como tudo começou…
Como eu comecei a viver a minha vida com o antes e o depois do cancro…é assim que hoje divido a vida…
Sim, porque muita coisa muda, muda…porque o tempo passa…e até possivelmente mudaria se não fosse o cancro, mas ele teve cá….e dificilmente haverá um dia da minha vida que eu não me lembre…
Falando primeiro de mim, no antes…
Vivia sozinha, tinha 35 anos, solteira, e tinha 2 trabalhos, ou seja levava o dia a trabalhar ate as 23h15m. Mas gostava do que fazia.
Tinha uma pessoa, que me preenchia o coração, um relacionamento leve e descontraído, mas bem vivido, como sempre quis, ou seja, tinha uma pessoa em quem podia confiar e amar…sem pensar em mais nada…
E resumindo era uma pessoa feliz, cheia de vida…só que houve um mas…e esse mas, chamou-se cancro da mama.
Primeiro começou com uma cotovelada num encontro de amigos, doeu-me e nunca mais deixei de ter uma sensação estranha na mana, e por incrível que pareça a mesma pessoa passado 8 dias, já em outro local, voltou a dar-me uma cotovelada na mesma mama, no mesmo sítio. O que me doeu ainda mais. E a impressão não desaparecia.
Fui ao centro de saúde, mandaram-me fazer eco, eco essa que não acusou nada, mas já eu sentia um empastamento na mama, que não me agradava e não fiquei confiante daquele resultado, porque mesmo não sendo algo preocupante teria que aparecer no relatório da eco referência a esse empastamento.
Depois verifiquei que no soutien na direção do mamilo, havia uma pinga de sangue, minúscula, mas estava lá, e isso ainda me deixou mais alarmada. Voltei ao Centro de Saúde, disseram-me para voltar a fazer eco, mas para não fazer com o mesmo radiologista e assim foi.
A médica, disse-me que via ali microcalcificações (que para mim era chinês) e que tinha que fazer mamografia, para eu ir ter com ela ao hospital dai a 8 dias.
Fui para casa e obviamente, fiz o que toda a gente faz, fui para a net ver o que era microcalcificações e obviamente não gostei do que li. Mais assustada fiquei.
Dai a 8 dias, estava no hospital sozinha para fazer a mamografia, de mamografia, rapidamente a médica me questionou se queria fazer biopsia naquele dia ou dali a 8 dias, porque seria preciso, que eu era muito nova e não podíamos deixar duvidas para trás, fiquei em pânico, comecei a chorar, estava a ver a minha vida a andar para trás…já tinha vivido aquilo tudo com a minha querida tia e o desfecho dela foi o pior. Faleceu numa cama de hospital no IPO, numa madrugada de domingo, sozinha e eu não queria isso para mim, mas era só o que conseguia pensar… cancro da mama…não…
Fiz a biopsia logo, não aguentaria esperar mais 8 dias, estávamos em Janeiro de 2006 e as minhas dúvidas tinham começado em Novembro, era muito tempo…para quem queria ouvir que estava tudo bem.
Dali á consulta de decisão, foram mais 8 dias, 8 dias angustiantes, sem querer pensar no assunto, mas sem conseguir, não alarmei ninguém, e muito menos transmiti o que estava a sentir, tinha para mim que a minha sentença estava marcada, e que o resultado ia ser mesmo cancro da mama, e não me enganei.
Quando no meio da consulta com um número de médicos elevadíssimo a olhar para mim, me disseram a Isabel tem cancro da mama….O mundo caiu-me em cima, comecei a chorar, não queria estar ali, não queria ouvir isso, e gritei que não queria ter um cancro, queria ter um filho….tinha 35 anos…senti-me perdida…abandonada…e muita tristeza. O destino estava traçado, quimioterapia para diminuir os 3 cm de cancro, mastectomia e radioterapia…tinha direito a tudo…como tudo muda em minutos…
Como morava sozinha, mudei-me para a casa dos meus pais, de onde tinha saído em 2003. Não tinha coragem de passar as noites sozinhas, muitas delas ao início eram em branco.
No dia seguinte estava a fazer quimioterapia de cabeça erguida, a querer lutar e a dar um ano à doença…estávamos 20 de Janeiro de 2006.
A quimioterapia foi terrível, dores musculares, febres, ma disposição, aftas, falta de apetite, diarreias, mau sabor na boca, pernas inchadas, intolerância a certos cheiros, ao calor, mau humor.
O cabelo caiu logo depois da primeira quimio, usei prótese capilar, não me gostei de ver com os lenços. E tinha dias que não suportava a peruca, estava desejosa de chegar a casa para a tirar. Não deixei de trabalhar, só nos dias em que estava menos bem, é que ficava em casa.
Fiz 8 quimios, Graças a Deus sempre dentro das datas previstas, chorei muito, muitas vezes nem sabia porque estava a chorar, tinha a técnica de ir para o espelho e perguntar a isabel refletida no espelho, o que se passava hoje que não fosse igual a ontem que não tinha chorado. E era uma terapia para mim. A Isabel do espelho respondia que nada e a Isabel acabava por perceber que afinal, não tinha motivos para chorar, porque as coisas estavam a correr bem.
Tive muito apoio da família, de amigos chegados e do meu grande amor, que nunca me falhou, as coisas ficaram mais serias e acabamos por assumir o nosso relacionamento e foi tão importante, esse passo. Aliás um dos meus pensamentos, quando soube que tinha cancro, foi dizer ao Jorge para viver a vida dele, porque eu tinha uma batalha grande pela frente, mas não fui capaz de o fazer.
Também tive desilusões, amigos que não perguntaram como estás Isabel tantas vezes como eu esperava, uns que nem se chegaram ao pé, outros que eu achava que podia contar e não contei, valeu amizades novas de onde as vezes menos se esperam.
Depois veio a Cirurgia, o tumor tinha reduzido o suficiente para não tirar a mama, e o médico perguntou-me se eu queria tirar ou não, ao que respondi prontamente que me tinha preparado 6 meses para a mastectomia, logo era para tirar.
O mês de agosto que era para mim um mês de praia, ferias, sol e diversão, fui ser operada. Dia 10, já mais esquecerei. Correu bem. E vi logo a cicatriz no dia seguinte. O penso não estava bem colado e acabei por ver e não tive vergonha de o Jorge ver, era a Isabel que tinha restado depois do cancro da mama e tínhamos que saber os dois lidar com isso. E não foi difícil. Claro que depois com o tempo, parava para pensar e vinha-me uma lagrima ao canto do olho, o que me havia de ter acontecido, mas eram momentos de fraqueza que passavam rápido. Ainda não disse, mas o que eu mais gostava no meu corpo, era as minhas maminhas…
A recuperação passou e fui chamada para a radioterapia, já eu andava a por mama e tirar mama, pois comecei a usar um paninho a fazer de mama, porque ao início ainda não podemos usar a prótese e mesmo durante a radio, foi o que usei.
Quanto a prótese capilar, deixei-a no dia que sai do hospital quando fiz a mastectomia, já iam ser próteses a mais e até porque o cabelo já tinha começado a crescer, apesar de estar bem curto. Mas o calor de Beja em Agosto, também não ajudava a usar cabeleira.
Não havia Radioterapia em Beja, não havia em Évora (como há agora) e ainda não havia em Faro, o destino foi Carnaxide. Fui com a minha mae, vinha a Beja nas folgas da radioterapia, mas por coincidência, o meu pai, teve um acidente no meu carro um dia antes de ir para a radio e tive ir de táxi e posteriormente lavei o carro da minha cunhada, meu quase que ia para a sucata. O meu pai ficou ileso. E assim com carro, conseguia vir 4 dias a casa. O que era ótimo ainda ia ao trabalho a uma formação importante que estava a decorrer, dava para namorar e rever os amigos e familiares. A radioterapia não custou, usei bastantes cremes hidratantes e tive a sorte de não chegar a fazer ferida.
O tempo que passei em Carnaxide com a minha mae, foi muito proveitoso, pois aproveitamos bastante para passear, rever pessoas que não víamos há tempo que moram por Lisboa. Foi um mês bem passado.
Mas não me saía da cabeça, como sempre em todo o processo, que a minha tia tinha falecido de cancro, era difícil dividir a morte dela do meu cancro. Foi uma aprendizagem que fui fazendo.
A par disto criei um blog, www.isabelguerreiro.blogs.sapo.pt, onde ia relatando os meus sentimentos, as minhas dores, o desenrolar da minha doença.
Em Outubro terminei a radio, dia em que nasceu a Rita a minha sobrinha. O nascimento dela deu-me esperança. Achei sempre uma feliz coincidência, porque eu sentia-me a renascer.
Em Novembro, com o ano quase passado, tive consulta e o médico, disse-me que a partir dali iria ter consultas de rotina, para vigilância e para já estava tudo controlado, por acaso, não tenho em mente em que dia foi, mas foi um dia muito feliz. Era voltar à minha vidinha, ao meu dia-a-dia.
Fiquei a tomar o famoso Tamoxifeno, que levantava na farmácia do hospital, depois numa das consultas de rotina, que aconteceu em Março de 2007, o médico disse que ia deixar de tomar o Tamoxifeno e ia começar com outro tratamento, que chamou de Herceptin, coisa que eu ainda nunca tinha ouvido falar e não me explicou muito mais. Quando me apercebi que era na sala da quimioterapia, e se tomava da mesma forma, fez-me bastante confusão, só de pensar que ia passar por tudo, valeram-me as enfermeiras para me explicarem que não tinha efeitos e que era preventivo. Lá me sentei naqueles cadeirões mais 18 vezes, de 3 em 3 semanas durante 1 ano.
Encaminharam-me para a Cirurgia plástica no entretanto, coisa que perguntava sempre ao médico, quando é que podia fazer a reconstrução, tive sempre em mente que não queria ficar em desiquilibrio com o meu corpo, não queria levar os dias a tirar e a por prótese.
Passados quase 2 anos (Julho 2008) da mastectomia e já com o Herceptin terminado, fui chamada para fazer a reconstrução mamária, até aqui também me calhou a parte mais complicada, teve que ser com retalho da barriga, ou seja, tecido abdominal, músculo e uma veia puxada para irrigar a minha nova mama ou seja a minha barriga deslocada. Posteriormente e por causa da assimetria fiz redução da outra mama (Abril 2009).
Mas em mente continuava um sonho na minha cabeça e na cabeça do meu marido, marido porque depois de ter ficado bem, voltei a morar sozinha na minha casa e o Jorge foi lá ficando, até que se mudou para lá e casámos em Outubro de 2008, como dizia, o sonho era já comum, e queríamos ser pais, procurei uma medica ginecologista para saber se continuava apesar dos tratamentos, uma mulher fértil, ao que ela me disse que sim.
Combinamos com a médica de cirurgia plástica, parar as reconstruções para eu poder engravidar, o que aconteceu de imediato, ficamos tão contentes, a alegria era tão grande que não cabíamos em nós de felicidade. Só que a gravidez foi interrompida, numa consulta em que fui sozinha à obstetra, tive a noticia que o coração do bebe tinha parado. Tive que ser internada para fazer um aborto, que foi horrível.
Já tinha passado por tanto, que pensei em não entrar em tristezas e não me entregar ao desgosto de perder aquele filho. Mas é muito triste.
Passados uns meses estava grávida novamente. Grávida e felizes, tinha superado o cancro, com a ajuda de muito amor em meu redor, a reconstrução ia a mais que meio e agora íamos receber um filho. Achei sempre que a gravidez desta vez, ia chegar ao fim e assim foi, apesar dos meus 40 anos, tive uma gravidez tranquila e a 30 Novembro de 2010, nasceu o nosso filhote, Miguel…lindo…lindo…como qualquer mãe sonha. Tem agora 2 anos. E foi a melhor coisa que nos aconteceu. A razão, que nada acontece por acaso. A razão que hoje podemos estar menos bem, mas amanhã poderá ser melhor. A esperança tem que nos acompanhar, a força não nos pode faltar, porque garanto que tinha forças que nem sabia que existiam.
Costumam-me dizer que tive força neste processo todo, mas não há outra maneira de superar um cancro e eu costumo dizer que também é preciso ter sorte. Porque há quem tenha força e a sorte não aparece.
O que aprendi com isto tudo:
A viver um dia de cada vez…a pensar mais no hoje e que nada mesmo nada é eterno. Quanto mais aproveitarmos o agora, melhor…
E que apesar do processo da nos pormos bem, podemos ser felizes, a doença não é só infelicidade, fiz muita coisa no ano de 2006 que me fez ser feliz.
A partilha de experiencias é essencial, falar com pessoas que já passaram pelo mesmo é diferente do que desabafar com alguém que não sabe e não sentiu o que estamos a passar, partilhei muito a partir do momento em que criei o blog uma luz na escuridão (2007), criámos um grupo amigas do peito e coração, uma amizade forte que continua nos dias de hoje, mesmo com algumas perdas dolorosas, tão dolorosas que é como sentir que há um pouco de nós que parte com essa pessoa. Posteriormente com o acesso ao Facebook, pertenço também a vários grupos de partilha do cancro da mama, onde também criei novas amizades.
Hoje a minha vida é o mais normal possível, com algumas mazelas que ficaram, como dores nas costas, cansaço…cicatrizes…muita experiencia, muitas idas ao médico, rotinas de exames, sustos…e vivendo a aprender a saber lidar com a perda da mama.
Termino, dizendo que adoro viver…e quero ver o meu filho crescer com saúde e a saber que tudo o que passei não foi em vão, foi para o ter comigo….
Isabel Guerreiro
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